quinta-feira, 27 de março de 2014

INCRÍVEL!!! ARISTÓTELES PASSEANDO EM BRASÍLIA

O que pensaria o célebre filósofo grego da Antiguidade diante do sistema político do Brasil contemporâneo. reconheceria nele as idéias igualitárias da democracia ateniense? 

Não sei se foi por antiga magia ou tecnologia secreta que Aristóteles veio a dar em Brasília. Queria conhecer a nossa Constituição, dizendo ser hábito seu empedernido. Encontrei-o por azar; expliquei-lhe o básico, alguma bibliografia. E recolhi alguns de seus comentários.
     Para ele o nosso sistema político não poderia ser chamado de "democracia" e, de fato, não o é, tecnicamente falando. A palavra designa somente regimes nos quais o povo detém o poder soberano; exercendo-o diretamente em assembléia, sem que tal poder conheça qualquer limite ou contrapeso institucional. Significa literalmente o "poder popular" e sua realização pressupõe a maior igualdade possível de todos perante a lei (isonomia) e quanto ao direito de participar das decisões públicas mediante a fala (isegoria)Tal igualdade fundamental torna impossível a representação política já que esta pressupõe a separação prática e formal entre representantes e representados, entre dirigentes e dirigidos. Assim, qualquer processo de escolha de magistrados, como a votação ou concurso de provas e títulos, não é democrática, pois toma os indivíduos pelas suas diferenças, ranqueando-os em melhores e piores. por isso mesmo, a eleição popular de um presidente ou deputado; a de um juiz concursado, configurar-se-iam aristocráticas (de aristói - os melhores). O único método realmente democrático de seleção, quando não se pode decidir diretamente em assembléia, é o sorteio. Só aí não há discriminação de mérito, preservando-se a igualdade.
     O governo que aqui se vê é uma mescla de oligarquia e democracia, o tipo mais comum de governo constitucional. Não existe nenhum poder ilimitado que subordine os demais; cada qual com sua autonomia e composição definidas pela Constituição.
     Compõem aristocracias o Judiciário e o Legislativo, selecionados seus membros entre os melhores do povo. O Executivo, ainda que por tempo limitado, encarna o princípio da realeza. O único componente democrático do sistema encontra-se nas assembléias periódicas que elegem os magistrados (colégios eleitoras). A este governo misto, Aristóteles chamou de "politia" cuja tradução pelo latim, é "república".
     Contudo o que mais espantou Aristóteles é o estranho hábito que temos de garantir direitos políticos aos escravos. Calma, prezado leitor: custou-me também entender! É escravo por natureza aquele que não quis ou não pode desenvolver o hábito da escolha prudente, tornando-se assim incapaz de prever. Tal indivíduo necessita da direção de outrem não apenas na política como principalmente no trabalho, estabelecendo um laço de benefício mútuo com seu senhor: este planeja e organiza; aquele provê com sua energia. Note que não é o vínculo jurídico a caracterizar a escravidão, mas sua função: fica evidente que o assalariamento é uma espécie de escravidão por tempo! A questão que mais o perturbou foi a da qualidade da escolha de quem é desabituado dela até na direção de sua vida privada.
     Depois de explicar-lhes o mecanismo de seleção de elites de nossa república; das diatribes de nossos sofistas (os marqueteiros); dos movimentos de nossos socialmente poderosos, tudo conspirando para a escolha responsável e melhor, entendeu que eu lhe fazia troça e foi à biblioteca ler nossa história política.

Retirado da revista História viva, ano V - nº 58
Autor: Edison Nunes - professor do 
Departamento de Política 
da Pontifícia Universidade Católica
 de São Paulo 
e do Programa de Estudos
 Pós-Graduados em Ciências Sociais 
da PUC - SP.

Nenhum comentário:

Postar um comentário